segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Estante para leitor de ebook

Ha um bom tempo, em 2011 mais especificamente, eu tinha ficado com vontade de reproduzir uma obra que havia visto em um video do programa de TV de Mr. Roy Underhill (The Woodwright's Shop), um projeto original de — talvez o mais famoso marceneiro da Franca e certamente um dos responsaveis pela fama do seculo XVIII em marcenaria — M. Andre Jacob Roubo. Uma estante para livros feita a partir de uma unica tabua:

O tempo passou e a tal estante foi ficando adiada, sempre adiada...

Esses dias no entanto a ideia voltou ao primeiro plano, algo modificada: construir nao uma estante para livros mas para um leitor de ebooks.

Vai dai, catando entre minha sucata de boas madeiras encontrei um pedaco de louro gaucho com brancal que me pareceu `a feicao e toquei em frente, essencialmente seguindo o metodo apontado por Mr. Underhill no video, com pequenas modificacoes para adequar o projeto `as minhas conveniencias: Fiz as marcacoes das 'dobradicas' a partir da linha central da madeira ao inves de pelas bordas porque o pedaco de madeira nao estava no esquadro, mas formando um largo "V"; fiz primeiro os furos, na furadeira de bancada; ao inves de cortar as dobradicas arredondadas optei por corta-las retas; utilizei uma serra ticotico para separar as dobradicas e, para separar as 'folhas' da estante,  a serra de fita.

(clique nas imagens para ve-las em maior resolucao)

Cortando as 'dobradicas'

A seta aponta uma marca a lapis no formao
para marcar a profundidade

As dobradicas serradas com serra ticotico
utilizando os furos-guia

A estante, recem aberta, a flecha apontando um dos
fragmentos que foram cortado `a faca

O processo foi bem mais simples do que eu esperava. A parte da faca, para cortar os restos que a serra nao alcancou e que impediam a abertura da estante, foi o unico passo que necessitou um pouco mais de cuidados e atencao, tomando um pouco mais de tempo do que o esperado. O total de horas trabalhadas (certamente nao continuas, hehe) ate abrir a estante deve ter ficado entre duas e tres...

O extremidade curta foi entao serrada e a modelagem final foi feita com plainas e (argh!) lixas. Optei por um visual mais rude, sem arredondamentos ou recortes, e deixando marcas de ferramenta. O acabamento, meu padrao: oleo de tungue, goma-laca e cera. Ficou assim:




Se algum dos meus sete fieis leitores tiver interesse em produzir uma estante dessas, para livros ou o que seja, talvez tenha interesse em participar do desafio ora em curso no Forum Madeira!...

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Comoda bombee — pronta!

Apos algumas implicancias do velho Pedro que resolveu atrasar o servico despejando containers de canivetes abertos sobre o portinho, consegui terminar a minicomoda bombee. O acabamento foi o meu padrao: oleo de tungue, depois goma-laca e por fim cera.

Ficou assim (clicando as imagens, abrem-se versoes em maior resolucao):



O acabamento ainda recebera um 'reforco' com mais uma ou duas demaos de cera, e com o tempo as cores das madeiras provavelmente ainda irao se acentuar mais. De qualquer maneira o movelzinho ficou chamativo e ja me rendeu varios elogios.

Certamente nao merecidos!

Como disse nas primeiras postagens, a construcao foi uma trapaca empregando o 'metodo tabajara', ao inves de sequer tentar os metodos classicamente empregados na manufatura usual desse tipo de moveis. Alem do mais uma consideravel quantidade de 'matacoes' ficaram sem correcao, por um misto de preguica e pressa de ver a cara da coisa pronta. Quero dizer, nao se trata de um movel caprichado, com rigoroso cuidado na qualidade e tal. Pelo contrario, nada de excepcional foi feito e, exceto pelos puxadores (R$ 3, cada), todo o material empregado foi obtido de restos.

O design e' que chama a atencao, nao a qualidade do movel. E certamente o design nao e' meu mas de um genio anonimo que o criou no seculo XVIII.

Minha ideia era desmistificar o conceito que moveis bombee sao necessariamente dificilimos de construir, o "Everest da marcenaria" necessitando o conhecimento de um mestre para executar. E, isso sim, acho que alcancei: Se ate eu consegui fazer um, qualquer praticante da arte querendo tambem faz, e muito provavelmente melhor que o meu.

sábado, 21 de setembro de 2013

Comoda bombee — modelada e montada

O tampo da comoda foi construido com uma prancha de itauba, sob a qual colei uma moldura de cedro-rosa.



Alguns detalhes que me parecem interessantes notar quanto `a construcao do tampo foi que aproveitei  e acentuei o encurvamento da prancha na sua porcao inferior (a que foi colada `a moldura) para quebrar a reta. Isso ocasionou a prancha ficar com os veios curtos na parte da frente do movel, o que e' considerado um pecado, eu sei. Mas... azar, eu gostei, hehe. O topo propriamente, aplainei com plainas manuais, ja que a peca nao cabe nem na desempenadeira nem no desengrosso.

(No lado de dentro percebe-se gritantemente o excesso da cola de poliuretano que decidi nao remover por dois fatores; primeiro porque no movel montado nunca ninguem vai ver, depois porque reforca a colagem.)

Ja os pes foram construidos com uma prancha de cedrinho cujo centro foi removido com serra tico-tico e cujos bordos foram recortados na serra fita e entao boleados na tupia de mesa, colada sobre uma esquadria aberta de cedro-rosa montada a partir de um perfil formado por um rebaixo (rabbet) cortado na serra de bancada, moldado na tupia de mesa e entao recortado na serra fita, com uns bloquinhos encaixados formando os pes de tras.


Essas colagens foram feitas utilizando uma resina de borracha transparente, por sua capacidade de preenchimento e por sua flexibilidade depois de curada, dado os varios 'cruzamentos' de veios. Adicionalmente foram empregados parafusos, como reforco e para prensar a colagem.

Com isso, o movel ficou inteiramente modelado e montado...



Bueno, agora e' partir para as minuciosas e tediosas manobras de corrigir os erros aparentes passiveis de serem corrigidos, acertar a modelagem fina, lixagem (AARGH!) e aplicacao de acabamento e puxadores. O que veremos, espero, na conclusao dessa longa bat-historia...

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Comoda bombee — engavetando

Sem qualquer pressa como convem a quem se interessa mais pela viagem do que chegar ao destino, ficaram prontas as gavetas para a minicomoda bombe.



A parte inicial, a vamos chamar montagem da caixa, foi feita utilizando lados de pinho emendados em esquadro com malhetes em cauda-de-andorinha. Tendo sido tomadas as medidas de preciso dimensionamento descritas na postagem anterior, os retangulos de madeira formados pelos lados das gavetas em montagem seca entraram nos trilhos deslizando sem maiores problemas, fora uma pegadinha aqui e ali facilmente resolvida com umas passadas de plaina. Um rebaixo feito na tupia de mesa para receber o fundo, e as gavetas foram coladas. Com a cola seca, voltaram a ser testadas em seus trilhos e as eventuais imperfeicoes que surgiram foram tratadas ate as gavetas estarem deslizando perfeitamente.


A fase seguinte no entanto nao foi tao simples, nem tao facil: Adaptar nas frentes das gavetas o painel frontal.

Obvio, o painel foi serrado (com serra manual japonesa, em funcao do kerf fino nao desperdicar madeira) devidamente nas dimensoes determinadas pelas gavetas e entao, com todas as pecas posicionadas no seu lugar no movel, as tres porcoes do painel foram fixas `as tres gavetas com cola e parafusadas pelo lado de dentro. Mais uma vez, um par de horas depois, com a cola ja firme, as gavetas voltaram a ser testadas nos trilhos e eventuais imperfeicos passaram a ser tratadas.

Facil de dizer e relativamente simples, mas bem demorado de fazer. Pequenos acertos com plainas e lixadeira ate a coisa ficar correndo solta, digamos assim, consumiram horas, varias horas, e produziram um consideravel volume de maravalhas e serragem...


Eventualmente no entanto as coisas chegaram a uma boa conclusao, e a estrutura central do movel esta inteiramente montada, com as tres gavetas funcionando a contento e com as partes do painel encaixando-se adequadamente:



Penso vale apontar, como costuma acontecer nesse tipo de projeto sem planejamentos previos, uma boa quantidade de caracteristicas e, mesmo, de aspectos do design vao-se desenvolvendo e/ou simplesmente surgindo na medida que a construcao progride. Apenas um exemplo, saliente: o que acabou ficando na parte de baixo do movel eu havia originalmente pensado seria a parte de cima... Para voces verem.

Bueno, meio caminho andado!

Agora, toca bolar o topo da encrenca...

sábado, 14 de setembro de 2013

Comoda bombee — estruturando

(Clique nas imagens para ve-las em maior resolucao.)

Seguindo como planejado, o passo seguinte na construcao foi cortar na face interna das laterais do movel rebaixos com a tupia onde encaixar os tres quadros de sustentacao que foram montados em rasgo e espiga. E entao cortar e montar as tampas traseiras com chapas — tudo em cedrinho, a mesma essencia utilizada na confeccao das colunas.



A seguir foram cortados e fixados com cola e parafusos, tambem nas laterais internas, dois trilhos (em itaubao; a grande variedade de essencias sendo fruto do aproveitamento de sobras) para, juntamente com os quadros estruturais, servirem de suporte para as gavetas. O painel da frente do movel foi entao serrado e provisoriamente adaptado em seu lugar para ter-se uma ideia da aparencia futura da obra.


Montada assim a estrutura basica, hora de construir as gavetas...


Atendendo a sugestao de um amigo que mencionou na confeccao de gavetas encontra eventualmente algumas dificuldades, na facilidade de deslizamento e no esquadrejamento, relato o metodo que aprendi ha tempos (em um video do YouTube que tentei encontrar, mas sem sucesso) e regularmente emprego, com muito bons resultados.


Para inicio de conversa, revisar bem onde as gavetas irao correr, removendo qualquer obstrucao como farpas, excessos de cola, ondulacoes, etc. E, claro, verificando o esquadro e, se necessario, corrigindo o que der.

A seguir as faces das gavetas sao cortadas e — uma por uma — sao testadas no lugar onde irao, cuidando as dimensoes sejam as mais exatas para permitir deslizem bem, mas com a menor folga possivel, visto que sao exatamente as folgas as mais frequentes responsaveis por enjambracoes ao mover as gavetas. Usualmente, inicio os ajustes pelas laterais, entao o fundo, e finalmente a frente, procurando manter sempre que cabivel as folgas em menos de 0,5mm. Com isso, quando a gaveta for montada e colocada no lugar, se porventura apresentar algum problema, usualmente sera muito facil identificar o que estara causando tal problema, seja qual for.





Ahi e' chegado o momento de montar as gavetas. Aqui no caso, as emendas das laterais das gavetas serao feitas em cauda-de-andorinha, com toda a calma e pachorra, e entao abertos rasgos onde encaixar o fundo.

O que veremos, espero, na proxima postagem...


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Comoda bombee — primeiros passos


Apos a cola secar bem nas laminacoes de sarrafos, umas passadas de plaina para nivelar as bases dos paineis e entao, com discos flap na esmerilhadeira e apos com a lixadeira rotoorbital, as faces foram regularizadas.


O proximo passo, confeccionar as colunas e entao selecionar qual painel formaria as laterais, qual a frente. O painel das laterais foi serrado em dois que entao foram fixados nas colunas, com biscoitos. O perfil dos paineis foi marcado a lapis nas colunas que foram entao serradas seguindo esses contornos na serra fita.





Mais alguma moldagem nos paineis com a esmerilhadeira e a lixadeira, e uma primeira montagem seca ja da uma ideia do aspecto que podera vir a ter o movel:



Imagino a proxima etapa sera armar uma estrutura para a carcaca.

Digo imagino, porque em um projeto como esse, sem planos, a coisa vai andando como sopra o vento, e o que comeca com uma intencao pode muito bem rumar para outra rota. O que, alias, torna a coisa ainda mais divertida, hehehe...

sábado, 7 de setembro de 2013

Moveis bombée

No inicio do seculo XVIII, com a morte de Luis XIV e o advento do periodo da Regence as artes na Franca evoluiram rapidamente, do austero estilo gotico predominante sob o Rei Sol, para o esfuziante estilo rococo que marcaria a opulencia do que viria a ser o reinado de Luis XV.

Em marcenaria uma das primeiras manifestacao do sensual estilo emergente seria justamente a aplicacao de ricas curvas `as formas dos moveis. Em especial um modelo de gaveteiro baixo, denominado commode bombée, tornar-se-ia seminal ao novo estilo, espalhando-o pela Europa afora.



Inicialmente por compreensiveis razoes tecnicas mantendo uma maioria de linhas retas, introduzindo apenas poucas curvas e alguma decoracao com ferragens, como esse modelo `a direita, na medida que o estilo se popularizava a demanda aumentava, e os artifices iam progressivamente se familiarizando e dominando a intrincadissima geometria e as refinadas tecnicas necessarias, resultando as formas foram ganhando progressivamente mais e mais acentuadas curvas, e a decoracao passou a incorporar nao apenas ricas ferragens como a adicao de meticulosos entalhes, marmores e complexa marchetaria, culminando em joias como essa ahi abaixo:


Na Europa toda engolfada pelo estilo rococo a execucao dos grandes paineis curvos usados nos moveis de estilo era feita praticamente sempre por tecnicas de tanoaria: diversas ripas — previamente recurvadas, ou retas e entao escavadas — coladas entre si e entao recobertas por finas laminas de preciosos lenhos. (Esses elaboradissimos, riquissimos moveis daquele periodo fundamentam a afirmacao de muitos o apice da marcenaria foi atingido no sec. XVIII.)

NA Matriz no entanto, quando o estilo fez sua triunfante entrada via o porto de Boston, os marceneiros de la dispunham de grandes, grossas pranchas; inicialmente umas poucas de nogueira nativa e entao farta quantidade de mogno importado do nos..., mm..., da America do Sul, digamos. Sendo entao como agora os Grandes Irmaos adeptos da filosofia de que o maior e' o melhor, passaram a fazer (e fazem, ate hoje) os paineis com pranchas inteiricas, removendo a maior parte da madeira para formar as curvas:

Prancha de mogno sendo preparada para transformar-se
em um painel curvo

Hoje como no seculo XVIII, em funcao das curvaturas a tecnica de construir-se um desses moveis e' extremamente complexa, de tal forma que essas comodas bombe sao chamadas de "o Everest da marcenaria", o mais alto degrau da arte em moveis. Enquanto na epoca de Luis XV os moveis eram criados a partir de moldes obtidos de prototipos criados por inumeras tentativas e incontaveis erros, hoje obviamente utilizam-se computadores no projeto, especialmente programas de CAD. O que nao significa que as dificuldades sejam poucas, como se pode evidenciar nessa analise (em ingles, infelizmente) cujos links seguem abaixo:

http://www.finewoodworking.com/item/32225/bombe-chest-an-exercise-in-complex-geometry-pt-1
http://www.finewoodworking.com/item/32434/bombe-chest-an-exercise-in-complex-geometry-pt-2

Mas alem de projetos em computador, muitos se propoem ao real desafio de construir um desses moveis em madeira mesmo. Nao ha de ser facil... Um aluno de afamada escola de marcenaria em Boston relata que, utilizando moldes e instrucao de mestres versados no metier, trabalhando 80 horas por semana demorou 15 semanas para construir uma comoda bombe basica.

Tambem em Boston um mestre carpinteiro resolveu construir A comoda bombe. Um modelito sem marchetaria ou apliques exclusivos mas com, do ponto de vista de marcenaria, tudo em cima, incluindo entalhes:



O processo lhe consumiu dois anos!

-- ooOoo --

Postei esses comentarios porque, primeiro, me pareceram informacao que talvez possa enriquecer o interesse que alguem porventura possa ter em moveis bombe. Depois, para afirmar que minha ideia de construir uma pequena commode bombee nao tem a menor, mas nao tem a minima intencao de sequer se aproximar das dificilimas, muito complexas tecnicas construtivas desses moveis, sejam europeias, sejam americanas.

Pelo contrario, minha ideia e' trapacear.
Ver se de alguma maneira alguem com tao pouca pratica e tao pouca aptidao a metodos geometricos e/ou matematicos como eu e' capaz de fazer, sem planos, utilizando recursos bem basicos de marcenaria, um movel que de alguma forma lembre um desses classicos. Pelo metodo tabajara, que seja. Certamente utilizando menos, muitissimo menos de 80 horas por semana e com toda a certeza nem chegando perto de um, nem pensar em dois anos. E de preferencia sem muito suor, hehe...